domingo, 22 de janeiro de 2012

Cap II


Minha mãe,Kendrad, deu-me este colar no seu leito de morte, deitada neste mesmo quarto onde me encontro, deitada nesta mesma cama onde me deito. Aqui. Aqui ela me deu isto, com uma mensagem no seu interior e disse na sua voz que me costumava acalmar, que me costumava fazer levitar, falou-me na sua voz bela, escassa  e frágil as palavras que nunca irei esquecer, pois foram as suas últimas: Shopie, este colar… tens de protege-lo, e abre-o no momento certo Shopie… só no momento certo…
A sua voz começou a desvanecer-se até que os seus olhos cerraram-se e deixei de ouvir a sua a respiração fraca e débil que me deixava com esperança. Aquelas palavras ainda permanecem na minha mente, mas desta vez, é algo perto, muito perto, não preciso de um mapa para a encontrar está a minha frente claro como um cristal fino e inquebrável. Como isto que carrego no peito desde aquele dia. Um coração. O colar tem a forma de um coração. É azul-marinho. Guarda uma pequena cápsula com uma pequena mensagem que a mãe deixou, mas como ela disse, só abrir no momento certo, seja quando isso for.
Miss Oliw entrou pelo quarto a dentro interrompendo a minha linha de pensamento. Larguei o colar, e deixei-o balançar em torno no meu pescoço e olhei-a com os olhos azuis ternos e pode-se dizer, um pouco falsos e melindrosos.
- Miss Bluter, a milady ainda se defronta nestes preparos? Comandante espera ansiosamente pela sua comparência milady, vamos, eu ajudo-a Miss, ai, se o Senhor desconfia que a menina ainda está assim, ai  se, ai se, o meu Senhor credo! – Oliw respeitava ou temia o meu padrasto e Jenks de uma maneira incompreensível e por vezes extrema. Protege-me ao ápice, e tenta que nada me mal de aconteça, agradeço e condeno-a muitas vezes por isso.
- Oliw respire. Meu pai não descobrirá, não se sobressalte Oliw. Tenhais calma, vá eu deixe-vos ajudar-me se isso vos ajudai a respeitar livremente Miss. – ri-me por meros momentos, esperando poder observar um ligeiro sorriso a forma-se nos seus pequenos e educados lábios. Nada.
Peguei no espartilho e entreguei-lhe. Deixei os meus pensamentos de possível liberdade para trás e simplesmente concentrei-me em tentar enfiar-me dentro daquele saco apertado e defeituoso, ao seja o vestido. Sinceramente, não percebo como é que alguém pode respirar dentro disto, nem percebo como é que eu consigo. Fixei-me novamente na janela… poderia agora arranjar uma comparação incrível com o pequeno e delicado pássaro que se encontra à minha beira da minha janela e como uma criança que tenta apanhar cada estrelinha no escuro breu da noite, inclina a cabeça para o interior do meu quarto luxuoso, observa, e vai-se, livre. Podia comparar a minha liberdade com a de um pássaro, de uma maneira requintada e deveras curiosa, incomum talvez, mas interessante ao olhar, e pode-se dizer encantadora. Tanta coisa que me passa pela mente agora, como se de repente, numa simples manha, começa-se a pensar na vida e em tudo o que nela permanece, e que está ao meu alcance, mas ao mesmo tempo não; mas reflectindo nas minhas palavras, pouco trabalhadas e primitivas, a mentira está a sugar-me. Não foi esta manha que de repente, de súbito, comecei a pensar no mundo lá fora, não foi de súbito que as memorias do passado que nunca vivi vieram ao de cima e invadiram a minha mente. Desde á muito que estas imagens vagas e pensamentos correntes permanecem na minha mente… á muitos mesmo. Afinal não deixei os meus pensamentos de liberdade para trás, e nem me dei conta que já estava dentro da saca que teria de permanecer o resto do dia, o que me parecia impossível.
- Prontos, já está… agora vá desça menina, desça, ou o seu… ai o seu…! – Oliw… a disparatar outra vez. Metia-me pena olhar para ela, desviei o olhar aproximei-me do espelho, observei-me de cima a abaixo… estava normal. Chique, rodeada de luxo de jóias caras, que nem o ouro pode comprar. Um vestido azul e volumoso, mas com um espaço reduzidíssimo, até para um rato.
Deixei o um reflexo sujo mas belo e rodei a maçaneta daquele portão que me prendia. Atravessei o corredor, sem nenhum pensamento, como me ensinaram, proibido. Neste mundo de vermes, jaulas e bijutarias é proibido pensar em liberdade, proibido em pensar em sair dos aposentos que me nos prendem, proibido pensar num Mundo Novo, proibido pensar no que eu penso sempre, mas sei esconder. 
As escadas são longas e escassas como uma estrada sem princípio nem fim… quem me dera que não tivesse fim, porque a chegada não é uma tentação, nem desejo, se pudesse rasgava este mapa e procurava outro, que me levasse no meu verdadeiro destino. Bem… a verdade é que nem acredito nessa coisa do destino, acho que nós é que escolhemos o nosso próprio destino, ele não está traçado por uma linha recta, não esta datado por acontecimentos. Somos nós que os criamos, o Destino é uma mentira que faz com que as pessoas deixem de pensar nas suas acções e deixam-se levar por essa pequena palavra sem sentido e propósito, mas no fundo com um grande peso na vida de todos. Não creio que tenha sido o Destino que me tenha levado a isto, que me tenha levado a vir por estes caminhos soltos que me perco, não creio que tenha sido Ele a fazer isso, não creio que a decisão tenha sido minha, sendo politicamente correcta, não sei o que me possa ter trazido até este beco sem saída onde e encontro. Também neste momento não quero saber, quero chegar onde não pertenço, sorrir acenar e esquecer por meros segundos, as minhas ideias revolucionárias que não me levaram a lado nenhum.
Chego agora ao final da estrada e encontro, como esperava, Jenks e meu padrasto á minha espera, mesmo encostados ao corrimão. Não têm vida própria decerto estes… respiro, expiro e vou.
- Bom dia Sr. Bluter, Comandante. Os meus maiores perdoes pela demora, creio que não tenham ficado muito tempo á minha aguarda, espero. – cuspi com o sorriso mais falso que algum dia fizera, até agora, muito provavelmente.
- Não filha, claro que não. – respondeu o meu padrasto, com um sorriso malicioso, mostrando as suas rogas do rosto, não eram propriamente poucas.
- Não sou sua filha, nunca o serei. – não é preciso explicações para esta resposta, suponho, já expliquei o ódio que tenho por este homem, que se acusa de ser meu pai, mas nunca o foi ou será, e quero que ele tenha isso em mente mas do que qualquer coisa.
- Percebo. Não vamos argumentar coisas indiscutíveis Shopie.
- Não é indiscutível, para já porque nem precisa de haver uma discussão, o Sr. não é meu pai e ponto. Logo deixe-se de manhas e artimanhas Senhor Bluter, porque eu volto a repetir, aturo tudo, menos que me chame de filha. – indiscutível diz ele? Tinha de me controlar, sabia que as consequências eram terríveis, mas não consegui engolir o meu orgulho juntamente com aquilo, vomitei tudo o que tinha entalado e esperei que ele limpa-se sem reclamar. Pelos vistos, algo de diferente tinha-me atravessado hoje de manha, talvez os raios violeta mais fortes me tivesse danificado o cérebro, francamente não tenho teorias, mas algo de estranho passa-se comigo eu sinto. 
- Acalmem-se meus senhores, respirem, vamos para a mesa e esquecer esta discussão sem sentido, venha Shopie, sente-se. – Jenks tentou remendar a situação. Uma vez na vida estava-lhe extremamente grata, e sorri, desta vez não falsamente. Olhei o meu padrasto nos seus olhos meios serrados, negros como o breu mas brilhantes como os primeiros raios solares a embateram no mar calmo e sereno que chama alguém na sua voz calma e serena…pareciam lançar-me uma praga.
Sentei-me e esperei. Ouvi uns barulhos vindos do exterior, concentrei-me neles. Tiros. Gritos. Espadas. Levantei-me de relance e corri até á janela, antes de poder espreitar, senti um embater forte, vidros a partirem-se e Jenks a atirar-me para o chão para me proteger. 

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