quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Someone


Senti o sol a bater-me na cara. Era de manha. Ouvi os gritos da Miss Oliw vindos do 2º piso. Devia estar a acordar Damian. O meu irmão mais velho. Deixei-me estar deitada, á mercê dos raios solares, á espera que alguém se lembre de me vir acordar. Sabia perfeitamente que a janela estava aberta. Sabia perfeitamente que a qualquer momento podia saltar a fugir desta prisão, destas quarto paredes rodeadas de luxo e brilho, e poder viver. Ser o que sempre quis ser. Livre. Como a minha mãe fora.
- Miss Bluter! – gritou o Comandante Jenks. Está sempre de volta da entrada do meu quarto, mais ao menos como um cão de guarda, por isso é que sair pela porta não costuma ser uma opção. Queria gritar aos setes mares para ele sair, mas o meu “pai” matar-me-ia se o fizesse. O meu padrasto. Tinha de ser politicamente bem-educada com o meu possível esposo.
Peguei no robe que se encontrava nos pés da minha cama leve como cetim, vesti-o, peguei nos chinelos mais próximos e dirigi-me rapidamente á porta e contei até 10 ao contrário. Preparei a melhor resposta, a mais acertada, a que todos que querem que dê, e girei levemente a pequena maçaneta de ouro maciço e esculpido com o máximo cuidado.
- É Shopie. Porque é que o meu possível noivo existe em me tratar por “vós”, tenhais de admitir Comandante, é um pouco invulgar. Entre. – não a que ele espera ouvir mas era a melhor que tinha, tendo em conta o meu humor matinal, com um misto de emoções que me abalavam o peito.
- Perspicaz Miss… Shopie. Vinha convida-la a descer e tomar o pequeno-almoço. – dirigiu-se a mim de uma forma gentil, educada e trabalhada, que até metia raiva.
- Agora também á convite para isso? – olhei nos olhos á espera de uma resposta, mas pelos visto a minha “perspicácia” tinha sido de mais para ele. Foi ao encontro da janela que tanto aclamava o meu nome e espreitei. O costume. Piratas a roubarem, e homens bêbados á porta da fortaleza. Fechei a janela calmamente e puxei os cortinados de seda rosa - carmim finos e débeis.  
- A….a….bem…eu… queria saber se….
- Pare. – estava a balbuciar coisas sem sentido, e estava a irritar-me. Ele e o meu padrasto eram íntimos e certamente se ignora-se o pedido dele como tanto ansiava fazer, a minha janela, a única passagem para o mundo exterior, fechar-se-ia por completo.  Pensei, e revolvi responder da maneira certa, e “correcta” segundo este mundo de ratos sebosos e bajuladores. – Eu aceito, o seu convite Comandante mas, se não for grande incómodo, pedia-lhe que desce-se sem mim. Tenho de me preparar, se não se importar como é óbvio, Comandante. – sorri falsamente, como todos sorriam e fingiam que estava tudo bem.
- Mas é claro Miss. Quero que a minha futura noiva esteja sempre arranjada e no seu melhor, mas despache-se minha querida, não queira perder a grande surpresa que eu e o seu pai…
- Ele não é o meu pai. – afirmei firme e sem enigmas. Suportava tudo neste miserável e viscoso mundo de gente Alta, menos que chamassem àquele cadáver ambulante de meu pai. Não me importava se Jenks lhe fosse dizer, que fosse, esse homem sabia perfeitamente o que significava para mim. Zero.
- Pois…ham… o seu padrasto e eu temos uma surpresa lá em baixo, não vai quer perder Shopie. Vá…bem… despache-se, eu aguardo á porta! – murmurou quase em silêncio mudo, baixando e levantando a cabeça sempre que dizia uma pequena sílaba. Depois de analisar vivamente a sua resposta á minha intervenção…apercebi-me que aquela última oração não me agradara.
- Não. – ele olhou para mim com uma cara espantada e perplexa vincando as  ligeiras rugas da testa – Vá descendo Comandante insisto. Costumo demorar um copioso período a preparar-me, não desejo aborrecê-lo. Pode ir descendo, eu já irei lá ter. – usei o palavreado mais caro e lisonjeador que consegui arranjar, tentando emendar a pequena palavra que, como me ensinaram, nunca deve ser prenunciada á frente de um Homem de valor e bens.
- Muito bem, eu vou descendo. – tossiu de forma enfadada e como sempre deveras irritante. Logo após a sua “tosse” sorriu para mim e caminhou em direcção á porta fechando-a delicadamente deixando-me por fim, sozinha e em paz.
 Andei em passo acelerado até á janela e respirei fundo. Liberdade. Algo que ansiava mas a sabia que não se encontrava ao meu alcance. Algo distante e profundo que não se encontra à mercê de qualquer um. Só daqueles que não têm o privilégio de vestir roupas caras, só aqueles que não têm o privilégio de vestir seda e ouro maciço, só aqueles que não vivem no luxo é que sentem o vento na cara e as mãos e pés molhados pela água doce do mar, são os únicos que sentem realmente. Vivem num mundo novo, que queira descobrir, que queria ver, que queira sentir.
A verdade é que, amanhã quando os primeiros raios solares embaterem na colina atrás do asilo, eu terei completado 20 anos e no entanto nunca sentira o vento a embater-me na cara, nem a água e escorrer-me livremente pelo corpo, estivera sempre presa na vida de luxo que nunca quis, nem pedi. Acho que não posso dizer que algum dia tenho vivido realmente.
Jenks deve estar-se a perguntar se terei ou não saltado da janela…quem me dera ter coragem para tal. É que sonho todas as noites. Navegar entre estranhas marés, andar sobre o solo de terras desconhecidas, ouvir sons de encantar e embalar… isto tudo soa-me distante e vago, como uma memória esquecida, como se estivesse a tentar lembrar-se de algo que nunca vivi. Nunca. Nunca é uma palavra forte, que embate e ecoa na minha cabeça como as doze baladas de um sino que toca de vez em quando e de quando em vez… Peguei no vestido mais próximo e observei-o. Trabalhado e para muitas donzelas belo, mas eu não queira ser uma donzela. Não sou. Uma donzela faz o que lhe mandam e baixa a cabeça e sorri, realmente não fugindo á verdade, é o que faço sim, mas eu não o aceito, não aceito ser uma moribunda que diz que sim e sim, nada mais. Que diz o que é coreto e não o quer. Quero ser o que sou, não o que Eles querem, mas é o que tenho de ser. Agarro agora o colar que minha mãe de deu antes de partir, quando tinha ainda eu 15 anos, quando era eu ainda uma criança de cabelos ruivos longos e caracóis, que acabara de bater com a cabeça no canto da sala e esquecera todo o que vivera antes. A minha memória antes dos meus 14 anos, ainda permanece em branco. Não lembro se algum dia nessa época terei sentido o vento ou o doce sabor da vida… gostava de saber, mas sinto que continua longe, muito longe…

if you like i continue.. kiss  

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