terça-feira, 6 de março de 2012

Cap 3 :)


- Foge Shopie… - tentou murmurar Jenks. Estava ferido. Queria ajuda-lo, mas não sabia como. Estava em pânico, não sabia o que fazer ou dizer, balbuciei o primeiro cliché que me veio á cabeça.
- Não sem ti, Jenks. – rasguei o vestido e com um pedaço de pano de seda seco, envolvi o braço dele na esperança de parar o corrimento de sangue. Ele pegou-me na mão para parar e com a outra secou-me a pequena lágrima que se encontrava ao canto do olho e puxou-me contra ele, fracamente e murmurou ao meu ouvido.
- Shopie… Eles querem-te. Foge e faças o que fizeres, não digas quem és e não largues o colar. Agora vai, foge! – largou-me e desistiu. Senti as lágrimas a escorrem-me pelo rosto e não sabia bem porquê. Tinha de ir, não valia a pena ficar ali a olhar para o  que já estava feito. Peguei na espada dele e subi aquele labirinto de escadas num abrir de olhos, mas encontrei-me encurralada entre cinco homens. Homens não. Piratas. Velhos, imundos, vestidos com trapos e com armas apontadas ao meu pescoço pálido e fino. Estava condenada o que podia fazer? Apenas render-me e esperar ter uma morte simples. Sabia que tinha uma espada na mão mas não a sabia utilizar, ainda acertava em mim. Termia por tudo o quanto era sitio e não conseguia fingir isso.
- Então boneca? Estás bem? Pareces nervosa… vais usar isso ou não? – perguntou um dos homens, devia ser o chefe ou capitão tanto faz. Apontou para a espada de Jenks que ainda não tinha largado, mas também sabia que não a ia utilizar, não tinha forças nem coragem. Ele tinha razão estava nervosa, não sentia as pernas, não tinha força para me aguentar em cima delas. Queria espetar-lhe aquela espada e fugir, mas não conseguia. Senti novamente as lágrimas a saírem-me livremente. Porcaria. Agora sabiam que estava vulnerável, sabiam que era fraca e estava sem defesas. Recomeço a pensar nessa manha do destino. Talvez seja mesmo verdade. Talvez o destino me tenha levado até este cerco, até este fim. Fechei os olhos e aguardei pelo pior enquanto ouvia-a o riso dos cinco homens, não ia implorar pela vida, seria demasiado deprimente para ser verdade. Aguardei.
 Ouvi um tiro vindo por trás. Sobressaltei-me e soltei um grito espontâneo.
Ao mesmo tempo, ouvi a arma que o homem tinha apontado á minha cabeça a cair juntamente com ele. 
- Ela não precisa de usar isso, topas? – falou uma voz masculina, encantadora talvez. Olhei para a frente e um homem de chapéu, arma na mão, sorriso astucioso e ,podemos dizer, sublime ou belo, como queiram. Porque me defendera? Quem era ele? Pirata era de certeza, pelo estilo e falta de higiene. Engoli em seco e fiquei parada com os olhos fixos nele. – Não é preciso agradecer…
- Gabriel, a armar-te em justiceiro? – gritou alguém vindo de trás,  em tom baixo uma voz rouca, não tão harmoniosa como a do que se encontrava á minha frente, mas de certeza um pirata também, a voz rouca e bêbada assimilava-se á dele, á de Gabriel, pelos vistos.
- Graham Smith, por aqui? – sorriu e andou de forma elegante deixando todos os piratas, que agora já me pareciam de segunda ou terceira categoria, todos de manso. Sorri inevitavelmente.
- Gabriel, não te armes em esperto, sabes perfeitamente o que fazemos aqui. Ela – senti algo apontado para mim, pelo que o meu sorriso desvaneceu-se por completo, deixando em vez disso, uma cara de pânico e horror – é o premio.
- Capitão Smith, como se atreve a falar de uma jovem tão bela como um premio, rude. – sorriu Gabriel, parando ao meu lado, guardando a espada e apoiando-se no meu ombro direito. Olhei para ele nos olhos. Eram cinzentos-claros, quase brancos, tapados pelo curto cabelo grisalho e loiro. – Como sabe mesmo que é Ela que procuramos? –  procuramos? Mas este também me vai atacar? Ai por amor da santa…
- Quem mais podia ser Scobelr? É ela, tenho a certeza, Shopie Bluter. Vejo-o nos seus olhos… - ele nem viu os meus olhos!
- Bem, Graham tenho de admitir essa foi profunda, tens andado a treinar? – gozou Gabriel, ainda apoiado no meu ombro, que olhou por alguns segundos.
- Scobelr, não me provoques! – aproximou-se e apontou a arma á cabeça dele, pelo que tapei a boca com a mão que ainda tinha a espada, para não soltar um grito histérico. Fechei os olhos e contei até 10 ao contrário e abri-os, e rezei para estar tudo igual. Sim estava. Respirei fundo, demasiado fundo para dizer a verdade . Senti ele a apertar-me o ombro, não sei em sinal de quê mas calei-me e limitei-me a fita-lo com a máxima curiosidade.
- Smith… ouve…
- Não Gabriel ouve-me tu. – interrompeu Graham com um olhar frio e assente, que deixou a com medo. Olhei-o pela primeira vez. Tinha uma barba longa, branca e oleosa como o seu cabelo, maior parte escondido pelo chapéu. Tinha os olhos negros, os lábios grossos e carnudos, o seu bafo era gelado e a sua cara rugosa e vincada. Usava roupas mais trabalhadas que os seus homens. Olhou para mim pelo que senti um calor frio, e um arrepio a passar-me pela espinha. Voltou a virar-se para Gabriel, segurando a arma ainda mais firmemente. – A única coisa que eu quero é ela, logo tu vais fazer isto. Vais larga-la. Vais entregar-me a rapariga e fugir com o rabinho entre as pernas. Percebeste?
- Ou…
- Nada de “ou’s” Scobelr podes começar, sabes esta vida é muita complicada, e Ela vai facilitar-me os planos. – ai vou? Mas o que é que eu tenho de especial, alguém me explica? Se eu conseguisse ter forças para prenunciar algum som…
- Pois mas eu não vou. – outra pessoa? Mas isto é o que uma reunião de piratas na minha casa?! E todos á minha procura não sei se deva ao não sentir-me elogiada.  Este tinha uma voz semelhante á de Gabriel, mas mais pura e suave. Ouvi outro tiro, demasiado perto de mim. Graham gritou e baixou-se de dores. Tinha-lhe acertado no  calcanhar esquerdo. Gabriel pega na arma e faz pontaria á cabeça de um dos  homens que se encontrava a atrás dele.
O rapaz que se encontrava pendurado no tecto, o que para já é muito estranho, soltou-se do pedaço de madeira e calhou em cima de Graham e sorriu. Tinha os cabelos negros atados atrás por um rabo-de-cavalo, mas este não era grisalho nem nada que se parece-se, era limpo e brilhante, os seus olhos eram verdes como uma brisa de primavera e um por de sol nascente. Era o pirata mais bem apresentável que eu já tinha visto, pelo menos destes.
- Ryan, eu tomava conta do assunto. – declarou Gabriel com os seus lábios finos e vermelhos vivos. Cumprimentou Ryan, o pirata de cabelo normal, ao mesmo tempo que se desprendia do meu ombro, que agora sentia-se livre mas vazio.
- Pois… notava-se Scobelr. Eu fico aqui a tomar conta deles, leva-a para o White Cover e vê o que sacas. O  Standtler quer “brincar”, sabes como é. – olhou para mim de relance e analisou-me. Não sabia se devia sorrir ou não, mas foi o que ele fez, depois fixou-se novamente no Gabriel e acenou com cabeça. Virou-se e a única coisa que conseguia ouvir era o som dos tiros a ecoarem na minha cabeça e o pior é que cheirava-me que tinha de me começar a habituar.
- Bem vá, levanta-te pequena donzela indefesa. – sussurrou Gabriel ao meu ouvido e levou-me pelo braço de uma maneira calma elegante, afastando todos o que se atravessavam no nosso caminho até algo que pela conversa entre ele e Ryan, parecia ser um barco. White Cover. Ia-me levar a Standtler, provavelmente um homem qualquer que me fará perguntas às quais eu não sei responder porque não sei o que procuram de mim, nem quem sou. Jenks disse para não dizer a ninguém quem sou nem dar o colar. Com a mão que não era segurada por Gabriel meti o colar para dentro. Não sabia o que procuravam, mas sentia que podia confiar nele… espero que o meu sentido não esteja errado.
Ele levou-me para dentro do meu quarto que tinha a porta aberta. Tinha sido literalmente invadido por algum furacão. As gavetas estavam todas abertas, os armários, a cama desfeita, os espelhos partidos e os cacos no chão. Estavam definitivamente á procura de algo que me pertence, mas que pelos vistos não tiveram sucesso.
Gabriel, espreitava atentamente pela janela também arrombada, e possivelmente aguardava a chegada de algo. De um barco suponho. Ainda não me soltara a mão. Acho que se esquecera que eu ainda me encontrava ali. 

domingo, 22 de janeiro de 2012

Cap II


Minha mãe,Kendrad, deu-me este colar no seu leito de morte, deitada neste mesmo quarto onde me encontro, deitada nesta mesma cama onde me deito. Aqui. Aqui ela me deu isto, com uma mensagem no seu interior e disse na sua voz que me costumava acalmar, que me costumava fazer levitar, falou-me na sua voz bela, escassa  e frágil as palavras que nunca irei esquecer, pois foram as suas últimas: Shopie, este colar… tens de protege-lo, e abre-o no momento certo Shopie… só no momento certo…
A sua voz começou a desvanecer-se até que os seus olhos cerraram-se e deixei de ouvir a sua a respiração fraca e débil que me deixava com esperança. Aquelas palavras ainda permanecem na minha mente, mas desta vez, é algo perto, muito perto, não preciso de um mapa para a encontrar está a minha frente claro como um cristal fino e inquebrável. Como isto que carrego no peito desde aquele dia. Um coração. O colar tem a forma de um coração. É azul-marinho. Guarda uma pequena cápsula com uma pequena mensagem que a mãe deixou, mas como ela disse, só abrir no momento certo, seja quando isso for.
Miss Oliw entrou pelo quarto a dentro interrompendo a minha linha de pensamento. Larguei o colar, e deixei-o balançar em torno no meu pescoço e olhei-a com os olhos azuis ternos e pode-se dizer, um pouco falsos e melindrosos.
- Miss Bluter, a milady ainda se defronta nestes preparos? Comandante espera ansiosamente pela sua comparência milady, vamos, eu ajudo-a Miss, ai, se o Senhor desconfia que a menina ainda está assim, ai  se, ai se, o meu Senhor credo! – Oliw respeitava ou temia o meu padrasto e Jenks de uma maneira incompreensível e por vezes extrema. Protege-me ao ápice, e tenta que nada me mal de aconteça, agradeço e condeno-a muitas vezes por isso.
- Oliw respire. Meu pai não descobrirá, não se sobressalte Oliw. Tenhais calma, vá eu deixe-vos ajudar-me se isso vos ajudai a respeitar livremente Miss. – ri-me por meros momentos, esperando poder observar um ligeiro sorriso a forma-se nos seus pequenos e educados lábios. Nada.
Peguei no espartilho e entreguei-lhe. Deixei os meus pensamentos de possível liberdade para trás e simplesmente concentrei-me em tentar enfiar-me dentro daquele saco apertado e defeituoso, ao seja o vestido. Sinceramente, não percebo como é que alguém pode respirar dentro disto, nem percebo como é que eu consigo. Fixei-me novamente na janela… poderia agora arranjar uma comparação incrível com o pequeno e delicado pássaro que se encontra à minha beira da minha janela e como uma criança que tenta apanhar cada estrelinha no escuro breu da noite, inclina a cabeça para o interior do meu quarto luxuoso, observa, e vai-se, livre. Podia comparar a minha liberdade com a de um pássaro, de uma maneira requintada e deveras curiosa, incomum talvez, mas interessante ao olhar, e pode-se dizer encantadora. Tanta coisa que me passa pela mente agora, como se de repente, numa simples manha, começa-se a pensar na vida e em tudo o que nela permanece, e que está ao meu alcance, mas ao mesmo tempo não; mas reflectindo nas minhas palavras, pouco trabalhadas e primitivas, a mentira está a sugar-me. Não foi esta manha que de repente, de súbito, comecei a pensar no mundo lá fora, não foi de súbito que as memorias do passado que nunca vivi vieram ao de cima e invadiram a minha mente. Desde á muito que estas imagens vagas e pensamentos correntes permanecem na minha mente… á muitos mesmo. Afinal não deixei os meus pensamentos de liberdade para trás, e nem me dei conta que já estava dentro da saca que teria de permanecer o resto do dia, o que me parecia impossível.
- Prontos, já está… agora vá desça menina, desça, ou o seu… ai o seu…! – Oliw… a disparatar outra vez. Metia-me pena olhar para ela, desviei o olhar aproximei-me do espelho, observei-me de cima a abaixo… estava normal. Chique, rodeada de luxo de jóias caras, que nem o ouro pode comprar. Um vestido azul e volumoso, mas com um espaço reduzidíssimo, até para um rato.
Deixei o um reflexo sujo mas belo e rodei a maçaneta daquele portão que me prendia. Atravessei o corredor, sem nenhum pensamento, como me ensinaram, proibido. Neste mundo de vermes, jaulas e bijutarias é proibido pensar em liberdade, proibido em pensar em sair dos aposentos que me nos prendem, proibido pensar num Mundo Novo, proibido pensar no que eu penso sempre, mas sei esconder. 
As escadas são longas e escassas como uma estrada sem princípio nem fim… quem me dera que não tivesse fim, porque a chegada não é uma tentação, nem desejo, se pudesse rasgava este mapa e procurava outro, que me levasse no meu verdadeiro destino. Bem… a verdade é que nem acredito nessa coisa do destino, acho que nós é que escolhemos o nosso próprio destino, ele não está traçado por uma linha recta, não esta datado por acontecimentos. Somos nós que os criamos, o Destino é uma mentira que faz com que as pessoas deixem de pensar nas suas acções e deixam-se levar por essa pequena palavra sem sentido e propósito, mas no fundo com um grande peso na vida de todos. Não creio que tenha sido o Destino que me tenha levado a isto, que me tenha levado a vir por estes caminhos soltos que me perco, não creio que tenha sido Ele a fazer isso, não creio que a decisão tenha sido minha, sendo politicamente correcta, não sei o que me possa ter trazido até este beco sem saída onde e encontro. Também neste momento não quero saber, quero chegar onde não pertenço, sorrir acenar e esquecer por meros segundos, as minhas ideias revolucionárias que não me levaram a lado nenhum.
Chego agora ao final da estrada e encontro, como esperava, Jenks e meu padrasto á minha espera, mesmo encostados ao corrimão. Não têm vida própria decerto estes… respiro, expiro e vou.
- Bom dia Sr. Bluter, Comandante. Os meus maiores perdoes pela demora, creio que não tenham ficado muito tempo á minha aguarda, espero. – cuspi com o sorriso mais falso que algum dia fizera, até agora, muito provavelmente.
- Não filha, claro que não. – respondeu o meu padrasto, com um sorriso malicioso, mostrando as suas rogas do rosto, não eram propriamente poucas.
- Não sou sua filha, nunca o serei. – não é preciso explicações para esta resposta, suponho, já expliquei o ódio que tenho por este homem, que se acusa de ser meu pai, mas nunca o foi ou será, e quero que ele tenha isso em mente mas do que qualquer coisa.
- Percebo. Não vamos argumentar coisas indiscutíveis Shopie.
- Não é indiscutível, para já porque nem precisa de haver uma discussão, o Sr. não é meu pai e ponto. Logo deixe-se de manhas e artimanhas Senhor Bluter, porque eu volto a repetir, aturo tudo, menos que me chame de filha. – indiscutível diz ele? Tinha de me controlar, sabia que as consequências eram terríveis, mas não consegui engolir o meu orgulho juntamente com aquilo, vomitei tudo o que tinha entalado e esperei que ele limpa-se sem reclamar. Pelos vistos, algo de diferente tinha-me atravessado hoje de manha, talvez os raios violeta mais fortes me tivesse danificado o cérebro, francamente não tenho teorias, mas algo de estranho passa-se comigo eu sinto. 
- Acalmem-se meus senhores, respirem, vamos para a mesa e esquecer esta discussão sem sentido, venha Shopie, sente-se. – Jenks tentou remendar a situação. Uma vez na vida estava-lhe extremamente grata, e sorri, desta vez não falsamente. Olhei o meu padrasto nos seus olhos meios serrados, negros como o breu mas brilhantes como os primeiros raios solares a embateram no mar calmo e sereno que chama alguém na sua voz calma e serena…pareciam lançar-me uma praga.
Sentei-me e esperei. Ouvi uns barulhos vindos do exterior, concentrei-me neles. Tiros. Gritos. Espadas. Levantei-me de relance e corri até á janela, antes de poder espreitar, senti um embater forte, vidros a partirem-se e Jenks a atirar-me para o chão para me proteger. 

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Someone


Senti o sol a bater-me na cara. Era de manha. Ouvi os gritos da Miss Oliw vindos do 2º piso. Devia estar a acordar Damian. O meu irmão mais velho. Deixei-me estar deitada, á mercê dos raios solares, á espera que alguém se lembre de me vir acordar. Sabia perfeitamente que a janela estava aberta. Sabia perfeitamente que a qualquer momento podia saltar a fugir desta prisão, destas quarto paredes rodeadas de luxo e brilho, e poder viver. Ser o que sempre quis ser. Livre. Como a minha mãe fora.
- Miss Bluter! – gritou o Comandante Jenks. Está sempre de volta da entrada do meu quarto, mais ao menos como um cão de guarda, por isso é que sair pela porta não costuma ser uma opção. Queria gritar aos setes mares para ele sair, mas o meu “pai” matar-me-ia se o fizesse. O meu padrasto. Tinha de ser politicamente bem-educada com o meu possível esposo.
Peguei no robe que se encontrava nos pés da minha cama leve como cetim, vesti-o, peguei nos chinelos mais próximos e dirigi-me rapidamente á porta e contei até 10 ao contrário. Preparei a melhor resposta, a mais acertada, a que todos que querem que dê, e girei levemente a pequena maçaneta de ouro maciço e esculpido com o máximo cuidado.
- É Shopie. Porque é que o meu possível noivo existe em me tratar por “vós”, tenhais de admitir Comandante, é um pouco invulgar. Entre. – não a que ele espera ouvir mas era a melhor que tinha, tendo em conta o meu humor matinal, com um misto de emoções que me abalavam o peito.
- Perspicaz Miss… Shopie. Vinha convida-la a descer e tomar o pequeno-almoço. – dirigiu-se a mim de uma forma gentil, educada e trabalhada, que até metia raiva.
- Agora também á convite para isso? – olhei nos olhos á espera de uma resposta, mas pelos visto a minha “perspicácia” tinha sido de mais para ele. Foi ao encontro da janela que tanto aclamava o meu nome e espreitei. O costume. Piratas a roubarem, e homens bêbados á porta da fortaleza. Fechei a janela calmamente e puxei os cortinados de seda rosa - carmim finos e débeis.  
- A….a….bem…eu… queria saber se….
- Pare. – estava a balbuciar coisas sem sentido, e estava a irritar-me. Ele e o meu padrasto eram íntimos e certamente se ignora-se o pedido dele como tanto ansiava fazer, a minha janela, a única passagem para o mundo exterior, fechar-se-ia por completo.  Pensei, e revolvi responder da maneira certa, e “correcta” segundo este mundo de ratos sebosos e bajuladores. – Eu aceito, o seu convite Comandante mas, se não for grande incómodo, pedia-lhe que desce-se sem mim. Tenho de me preparar, se não se importar como é óbvio, Comandante. – sorri falsamente, como todos sorriam e fingiam que estava tudo bem.
- Mas é claro Miss. Quero que a minha futura noiva esteja sempre arranjada e no seu melhor, mas despache-se minha querida, não queira perder a grande surpresa que eu e o seu pai…
- Ele não é o meu pai. – afirmei firme e sem enigmas. Suportava tudo neste miserável e viscoso mundo de gente Alta, menos que chamassem àquele cadáver ambulante de meu pai. Não me importava se Jenks lhe fosse dizer, que fosse, esse homem sabia perfeitamente o que significava para mim. Zero.
- Pois…ham… o seu padrasto e eu temos uma surpresa lá em baixo, não vai quer perder Shopie. Vá…bem… despache-se, eu aguardo á porta! – murmurou quase em silêncio mudo, baixando e levantando a cabeça sempre que dizia uma pequena sílaba. Depois de analisar vivamente a sua resposta á minha intervenção…apercebi-me que aquela última oração não me agradara.
- Não. – ele olhou para mim com uma cara espantada e perplexa vincando as  ligeiras rugas da testa – Vá descendo Comandante insisto. Costumo demorar um copioso período a preparar-me, não desejo aborrecê-lo. Pode ir descendo, eu já irei lá ter. – usei o palavreado mais caro e lisonjeador que consegui arranjar, tentando emendar a pequena palavra que, como me ensinaram, nunca deve ser prenunciada á frente de um Homem de valor e bens.
- Muito bem, eu vou descendo. – tossiu de forma enfadada e como sempre deveras irritante. Logo após a sua “tosse” sorriu para mim e caminhou em direcção á porta fechando-a delicadamente deixando-me por fim, sozinha e em paz.
 Andei em passo acelerado até á janela e respirei fundo. Liberdade. Algo que ansiava mas a sabia que não se encontrava ao meu alcance. Algo distante e profundo que não se encontra à mercê de qualquer um. Só daqueles que não têm o privilégio de vestir roupas caras, só aqueles que não têm o privilégio de vestir seda e ouro maciço, só aqueles que não vivem no luxo é que sentem o vento na cara e as mãos e pés molhados pela água doce do mar, são os únicos que sentem realmente. Vivem num mundo novo, que queira descobrir, que queria ver, que queira sentir.
A verdade é que, amanhã quando os primeiros raios solares embaterem na colina atrás do asilo, eu terei completado 20 anos e no entanto nunca sentira o vento a embater-me na cara, nem a água e escorrer-me livremente pelo corpo, estivera sempre presa na vida de luxo que nunca quis, nem pedi. Acho que não posso dizer que algum dia tenho vivido realmente.
Jenks deve estar-se a perguntar se terei ou não saltado da janela…quem me dera ter coragem para tal. É que sonho todas as noites. Navegar entre estranhas marés, andar sobre o solo de terras desconhecidas, ouvir sons de encantar e embalar… isto tudo soa-me distante e vago, como uma memória esquecida, como se estivesse a tentar lembrar-se de algo que nunca vivi. Nunca. Nunca é uma palavra forte, que embate e ecoa na minha cabeça como as doze baladas de um sino que toca de vez em quando e de quando em vez… Peguei no vestido mais próximo e observei-o. Trabalhado e para muitas donzelas belo, mas eu não queira ser uma donzela. Não sou. Uma donzela faz o que lhe mandam e baixa a cabeça e sorri, realmente não fugindo á verdade, é o que faço sim, mas eu não o aceito, não aceito ser uma moribunda que diz que sim e sim, nada mais. Que diz o que é coreto e não o quer. Quero ser o que sou, não o que Eles querem, mas é o que tenho de ser. Agarro agora o colar que minha mãe de deu antes de partir, quando tinha ainda eu 15 anos, quando era eu ainda uma criança de cabelos ruivos longos e caracóis, que acabara de bater com a cabeça no canto da sala e esquecera todo o que vivera antes. A minha memória antes dos meus 14 anos, ainda permanece em branco. Não lembro se algum dia nessa época terei sentido o vento ou o doce sabor da vida… gostava de saber, mas sinto que continua longe, muito longe…

if you like i continue.. kiss